Segundo
o astrônomo, físico, matemático, filósofo e divulgador científico
estadunidense, Carl Sagan (09/11/1934 – 20/12/1996), uma das coisas
que mais proliferam no mundo moderno são as bobagens. Mas, por
incrível que pareça, embora haja uma profusão delas, não é tão
fácil identificá-las. As bobagens se apóiam umas nas outras, se
auxililam, se camuflam. Para encará-las é preciso ter um certo
método, e é justamente isso que Sagan organizou: uma proposta de
método para identificar e combater baboseias.
Sagan
(1997), em seu livro O
Mundo Assombrado pelos Demônios – A Ciência Vista Como uma Vela
no Escuro,
onde a ciência combate toda crendice, propõem no capítulo 12, um
pequeno kit de ferramentas para não se deixar enganar por qualquer
bobagem, mesmo quando ela é tão atraente para nós.
Trata-se
de um kit de ferramentas para o pensamento cético, que segundo Sagan
(1997), não passa de:
“um
conjunto de meios de construir e entender um argumento razoável e,
especialmente importante, reconhecer um argumento falacioso ou
fraudulento. A questão não é se gostamos da conclusão que emerge
de uma cadeia de raciocínios, mas se a conclusão se segue das
premissas e se as premissas são verdadeiras”. VOCÊ s. a./
novembro 2000.
Atualmente,
em plena crise socioambiental mundial, em tempos de “fake news”
(as mentiras e boatos com uma “máscara” tecnológica), em plena
“era” da manipulação tecnológica, a proliferação de bobagens
aumentou e tem aumentado exponencialmente.
No
âmbito da área Ambiental (e da educação ambiental), dada a grande
abrangência desta nova ciência e de suas teorias, que englobam
todas demais áreas, é evidente, penso, que a proliferação de
bobagens ou “fake news” (como quiserem) tem se acentuado
progressivamente e em maior velocidade.
Por
este motivo, neste trabalho teórico, sugiro inicialmente a
utilização do kit para podermos filtrar as bobagens tecnológicas,
não tecnológicas e ambientais criadas pela nossa agonizante
sociedade moderna e, posteriormente, analisarmos o “mundo” e
cultura modernos “possíveis”, os “mundos” e culturas
indígenas “possíveis” com a semântica de Kripke, uma
ferramenta teórica.
O
kit do Carl Sagan (1997), é composto de duas partes: “As Armas do
Cético” e “As Armas do Enganador”.
“As
Armas do Cético”:
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Sempre que possível, deve haver uma confirmação independente dos “fatos”;
-
Encoraje o debate sobre as evidências com pessoas com conhecimento de causa que possam contribuir com pontos de vista diferentes;
-
Argumentos de autoridade têm pouco peso. Não é a importância de quem fala que garante a veracidade, mas a solidez do raciocínio;
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Levante mais hipóteses. Se há algo para ser explicado, procure o máximo de modos como aquilo poderia ser explicado, depois pense em como daria para testar essas hipóteses para provar que elas estão erradas. A hipótese que sobreviver aos testes tem mais chance de estar correta;
-
Tente não se ligar muito a uma hipótese só porque ela é sua;
-
Se há um modo de quantificar sua ideia, quantifique. Isso ajuda a fazer comparações. Tudo o que é vago e qualitativo é sujeito a várias interpretações. É claro que sempre há ocasiões em que se deve buscar a verdade em argumentos qualitativos, mas é mais difícil;
-
Se há uma cadeia de raciocínio, todos os elos da cadeia devem se sustentar. Não apenas a maioria deles;
-
Use a navalha de Occam. Guilherme de Occam foi um filósofo que inventou este princípio prático: se há duas hipóteses que explicam igualmente bem um fenômeno, escolha a mais simples; e
-
Sempre pergunte se a sua hipótese admite a opção de ser falsa. Proposições que não têm como ser testadas ou nunca podem dar errado tem pouca valia.
“As
Armas do Enganador”:
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Ad hominem, que em latim significa “para o homem”. É quando alguém ataca a pessoa, em vez de duelar com os argumentos. Por exemplo: aquele cara é um puxa-saco, por isso os argumentos dele a favor do projeto não devem ser levados a sério;
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Argumento de autoridade. Por exemplo: devemos seguir o plano do chefe porque ele tem informações secretas que indicam que esse é o melhor jeito de fazer. Mas, justamente porque as informações são secretas, não há como avaliar se esse é o melhor jeito, e o argumento se resume a confiar no chefe cegamente;
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Argumento de consequências adversas. Exemplo: deve existir um Deus que pune e recompensa, porque, se Ele não existisse, a sociedade seria muito pior e mais perigosa;
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Apelo à ignorância, ou seja, a noção de que tudo o que não foi provado como falso deve ser verdadeiro. Exemplo: ninguém prova que os discos voadores não visitaram a Terra, portanto devem existir discos voadores;
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Apelo especial. É quando se invoca uma razão misteriosa para sustentar uma teoria que está sendo atacada. Exemplo: com uma mordida de maçã pode condenar milhares de futuras gerações ao tormento? Apelo especial: você não entende a sutileza da doutrina do livre-arbítrio;
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Embutir a resposta na questão. Exemplo: devemos aprovar a pena de morte para desencorajar crimes violentos. Mas será que nos locais em que aprovaram a pena de morte a taxa de crimes violentos caiu?;
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Observação limitada. É o que o filósofo Francis Bacon chamou de enumeração de circunstâncias favoráveis, ou seja, falar apenas dos fatos que sustentam a tese, mas não tocar nos que vão contra ela;
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Estatística de pequenos números. Exemplo: dizem que há um chinês para cada pessoa no mundo. Como pode ser? Eu conheço centenas de pessoas e nunca vi um chinês. Ou: tirei um royal street flash no pôquer. Hoje é meu dia de sorte;
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Não entender estatísticas. Exemplo: o presidente americano Dwight Eisenhover, expressando surpresa e alarme quando descobriu que exatamente a metade da população americana tinha inteligência abaixo da média;
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Non sequitur. Latim para “não se segue”, ou seja, a conclusão não tem nada a ver com a premissa. Exemplo: vamos ganhar a copa do mundo porque Deus é brasileiro;
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Inventar relação de causa e efeito. Ou seja, achar que, só porque algo aconteceu antes, é causa. Exemplo: um cardeal filipino disse que conhecia uma mulher de 26 anos que parecia ter 60 porque tomava pílulas anticoncepcionais;
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Falsa dicotomia. Considerar os dois extremos de uma questão, ignorando todas as possibilidades intermediárias. Exemplo: Brasil, ame-o ou deixe-o. Ou: se você não é parte da solução, é parte do problema. Ou: se você não é amigo, é inimigo;
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Confusão entre correlação e causa. Exemplo; um estudo mostra que há mais homossexuais com nível universitário do que na escola primária. Portanto, a educação faz os homens virarem gays; e
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Caricaturar o oponente para atacar sua posição. Exemplo: ambientalistas se preocupam mais com as cobras e capim do que com gente.
Ainda
com relação ao kit, Sagan(1997) alerta que, como todas as
ferramentas:
“… o
kit de detecção de baboseiras pode ser mal interpretado, aplicado
fora de contexto ou mesmo usado como substituto do ato de pensar.
Mas, aplicado com parcimônia, pode fazer toda a diferença do mundo,
a começar pela avaliação dos nossos próprios argumentos antes de
apresentá-los aos outros”. Sagan (1997).